sexta-feira, abril 29

"Por qué no dice nada?"

Porque temos um Presidente da república que só fala ao país pelas redes sociais. Então e quem não tem internet? Um perfil de Facebook? Então e o meu avô de 80 anos? E os seus vizinhos que moram ali numa aldeia pequena nos arredores de Castelo Branco?


domingo, abril 10

O Pescador

Há uns tempos no centro comercial Fonte Nova, estava um senhor velho sentado num pequeno muro central de uma fonte, daquelas que decoram as "praças" centrais dos espaços públicos comercias.

Ao passar por ele vi que era louco. Sozinho, reclinado para baixo, mexia no ar os braços como que a puxar alguma coisa. E seleccionando essas mesas coisas, punha algumas de parte, ao seu lado em cima do pequeno muro. Toda a gente que passava por ele, olhava com aquele ar de quem vê um maluco que está perdido. Eu olhei também. Mas pus-me a pensar onde estaria aquele velho na verdade?

Pelos movimentos dos seus braços, imaginei-o como um pescador, numa paisagem à beira-mar com um velho barco de madeira colorido, queimado pelo sol a seu lado. Ele estava a recolher redes de pesca, e ia seleccionando as boas das más. Na minha cabeça, a paisagem do centro comercial, progressivamente começou a transformar-se na praia, dando lugar à areia onde estava o soalho do chão, e o muro onde o velho estava sentado era agora uma rocha. O segundo piso de lojas abria-se em céu azul claro e brilhante.

Não pude deixar de imaginar o que ia na sua cabeça. Nós os que passávamos, e olhávamos incrédulos estávamos tão somente naquele centro comercial e dali não podíamos sair, era essa a nossa realidade. Estamos presos a ela. Mas o velho, o velho estava a viver noutro mundo, noutra realidade. E estaria também a viver a nossa?

Essa foi a questão que me acompanhou enquanto me afastava. Terá ele acesso às duas realidades? Terá acesso a mais de duas, alias? Ele é que está bem pensei eu. É pescador, e é um velho no centro comercial nos seus momentos de lucidez. Nessa altura, apeteceu-me sentar ao seu lado e ajudá-lo a recolher aquele monte grande de redes emaranhadas. Estaria ele grato por isso? Teria alguma consciência do que estaria eu a fazer? Sentiria a minha compaixão por não o deixar ali sozinho, aos olhos discriminadores dos outros, a recolher redes?

Gosto de malucos, vejo-os como seres fascinantes, nunca se sabe o que vai ali dentro, e podem ser tantas, tantas coisas. Mas o que acho mais interessante é a liberdade que têm. Podem estar, ser o que quiserem, onde quiserem e simplesmente voltar.